18 de maio de 2007

Sobre legitimidade e sujeitos coletivos

Lúdio Cabral *
“Breathe, breathe in the air.
Don't be afraid to care.
Leave but don't leave me.
Look around and choose your own ground.

Long you live and high you fly
And smiles you'll give and tears you'll cry
And all you touch and all you see
Is all your life will ever be.”

Breathe – Pink Floyd
(do album The Dark Side of the Moon)

Estou há dois anos, quatro meses e dezessete dias, tentando, através do exercício de mandato público de vereador delegado pela população de Cuiabá, construir respostas positivas para muitas questões, uma delas exatamente sobre como realizar o conceito de legitimidade.

Nestes 867 dias de alegrias, de dor e de aprendizado, tenho tentado identificar e dialogar com sujeitos coletivos na saúde mental, campo de conhecimento e de práticas em que não tive a oportunidade de atuar em minha trajetória anterior como médico sanitarista e militante do movimento da reforma sanitária.

Uma das primeiras oportunidades que tive para isso, já exercendo o mandato de vereador e, como fruto da convivência pessoal com trabalhadores da saúde mental, foi contribuir para a realização do Fórum de Saúde Mental ocorrido durante todo o dia 21 de maio de 2005 na sede da Associação Matogrossense dos Deficientes, na Morada da Serra em Cuiabá.

Se me recordo bem, uma das primeiras reuniões para tratar daquele evento, embrião do hoje Fórum Permanente de Saúde Mental de Mato Grosso, aconteceu a nosso convite nas dependências da Câmara Municipal de Cuiabá. A partir dali integrei nosso mandato ao esforço coletivo para viabilizar aquela atividade. Nos dispusemos com alegria a contribuir para a organização do evento com a articulação do local da sua realização, a elaboração e a impressão dos cartazes e folders, debatendo a programação, sugerindo o método das rodas aplicado em nosso mandato e, especialmente, mobilizando com dedicação todos os trabalhadores do mandato.

No dia 21 de maio, participei da programação do começo ao fim, modestamente e com discrição - desprovido de qualquer traço, ranço ou vício daquilo que se convencionou como o estereótipo do “político” -, colocando à disposição do Fórum aquilo que acostumei a chamar como a caixa de ferramentas de que dispõe o mandato de vereador.

Fiquei muito feliz ao ver como resultado daquele evento a rearticulação do Fórum Permanente de Saúde Mental de Mato Grosso que, a partir dali, passou a ter uma agenda periódica de atividades e de ações de luta antimanicomial.

Em 20 de maio de 2006, tive novamente a oportunidade de participar do evento anual do Fórum, como cidadão, médico sanitarista e vereador. Naquela oportunidade, ao lado da colega parlamentar estadual, a Deputada Verinha, que também esteve presente, propusemos a utilização pelo Fórum de uma das nossas ferramentas parlamentares, a audiência pública, para debater a realidade da atenção à saúde mental em nosso estado e cidade. Acolhida esta proposição pelo Fórum, optamos por convocar uma audiência na Assembléia Legislativa, devido à oportunidade de participação dos responsáveis pela gestão dos serviços de saúde mental no âmbito estadual e municipal.

Também como deliberação do evento de maio de 2006, utilizamos o nosso boletim eletrônico Rodas da Cidadania como instrumento de difusão do texto final do encontro.

Infelizmente, ou felizmente, do dia 1º de julho até o dia 27 de outubro de 2006, a nação brasileira debateu e disputou seu destino nas eleições nacionais, uma guerra eleitoral sem precedentes, expressão aguda e contraditória da luta de classes em nosso país. Para essa conjuntura foi canalizada quase toda a nossa energia, obviamente com prejuízos pontuais, mas com a consciência da necessidade histórica de conquistar a reeleição do presidente Lula.

E só por isso, e por conseqüências decorrentes da disputa eleitoral, não conseguimos viabilizar a audiência publica em 2006.

Pelo aprendizado acumulado, pelo diálogo anterior com o Fórum e, depois, com outros sujeitos da luta antimanicomial, pela percepção e pelo contato com inúmeros problemas no modelo de atenção à saúde mental em nosso município, na abertura dos trabalhos legislativos de 2007, em fevereiro, apresentei requerimento de audiência pública para debater a política de saúde mental em Cuiabá. Fiz questão, inclusive, de reservar antecipadamente o plenário da câmara para o dia 18 de maio, o Dia Nacional da Luta Antimanicomial, na expectativa de aprovar o requerimento e na esperança de identificar uma articulação de movimentos sociais, agentes públicos ou cidadãos possuidores de direitos, para, se as muitas prováveis agendas de debate da questão propiciassem, realizarmos a audiência nesse dia.

Embora tenha percebido pulsações e vozes em momentos e em cenários distintos e não articulados clamando por um debate urgente da problemática – em abril, cheguei a participar como convidado de uma roda de diálogo entre entidades para pensar iniciativas voltadas à reflexão oportunizada pela data – não consegui identificar o encontro dessas iniciativas, nem contribuir para tanto.

Por fim, o requerimento que havia apresentado em fevereiro só foi votado no dia 08 de maio e, embora existisse a reserva do plenário para o dia 18 do mesmo mês, não houve tempo hábil para qualquer tentativa de articulação de um debate na data, até porque acreditávamos que tanto os agentes públicos quanto os movimentos sociais já estivessem com uma agenda definida antes que o requerimento fosse aprovado. Optamos, então, por uma nova data para a audiência e por iniciar a articulação da mesma a partir das programações alusivas ao dia 18 de maio.

Confesso que me preocupou o fato de não ter identificado, pelo menos até agora, nenhuma atividade aberta de natureza crítica e reivindicatória alusiva ao Dia Nacional de Luta Antimanicomial. Por que isso? Se há tanto sofrimento entre usuários, familiares e trabalhadores dos serviços de saúde mental? Mesmo a uma certa distância, pelas circunstâncias do meu modo particular de andar a vida, consigo identificar com intensidade esse sofrimento. Haverá um processo de asfixia cotidiana de trabalhadores e usuários, na dura realidade dos serviços, que impede a articulação de um sujeito coletivo que canalize as infinitas angústias que querem e precisam derrubar os manicômios que estão em toda parte, fora e dentro de nós? Um sujeito coletivo dotado da capacidade de converter essas angústias em energia propulsora de luta por mudanças positivas na realidade.

O duro, nesse contexto, foi ter sido agraciado em 17 de maio com a precipitada, sintomática e gratuita desconfiança a mim dirigida, através de artigo em nome do Fórum Permanente de Saúde Mental de Mato Grosso, publicado em alguns veículos eletrônicos locais. Sinceramente, não entendi. Quem assina o artigo pelo Fórum? A quem posso dirigir minha tristeza com tal agressão? Fiquei surpreso, pois tenho a certeza cristalina de que muitos militantes do Fórum e da Luta Antimanicomial não pensam e não concordam com o que está escrito no artigo sobre mim. Porque me conhecem, convivem comigo, compartilham comigo das angústias que vivencio, sabem da busca permanente que vivo por respostas às muitas questões a que me propus responder como vereador, com a consciência de pertencimento à classe trabalhadora, com a consciência da longa luta pelo socialismo.

O Fórum, pela sua natureza, pelo seu compromisso de resistência a toda forma de discriminação, violência, desigualdade, autoritarismo e exclusão, pelo potencial humano e intelectual que congrega, pelo papel que pode exercer na articulação e no empoderamento dos muitos sujeitos da luta antimanicomial, não pode negar sua essência. Aqueles que escrevem em seu nome devem ter o cuidado de não se deixar levar, intempestivamente, pela condição de quem vive “espremido” pelos processos locais dos poderes instituídos, que às vezes turvam a visão dos sujeitos e os fazem enxergar fantasmas onde estes não existem.

Cuidado. Respeito. Diálogo. Iniciativa. Confiança. Isso faz bem à saúde mental e à luta antimanicomial.

Continuo ao lado e respeito profundamente o Fórum Permanente de Saúde Mental de Mato Grosso e todos os seus militantes. Espero que a recíproca seja verdadeira. Pois legitimidade não nos falta, a nenhum de nós. Talvez nos falte abraço.

* Lúdio Frank Mendes Cabral, 36, é médico sanitarista e vereador pelo Partido dos Trabalhadores em Cuiabá.
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Veja aqui o artigo publicado em nome do Fórum Permanente de Saúde Mental de Mato Grosso

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