8 de agosto de 2011

“Saneamento não é mercadoria para ser comercializada”



O vereador Lúdio Cabral (PT) disputou a sua primeira eleição em 2004 e obteve sucesso. Na sequência, concorreu a reeleição e novamente foi feliz. Hoje, exerce o seu segundo mandato na Câmara Municipal de Cuiabá.

Inicialmente o caminho que o levou à política foi a militância no movimento estudantil universitário como estudante de medicina na UFMT na década de 90. Depois veio a militância na saúde pública. Lúdio se especializou em medicina preventiva e social e dedica-se, na função de médico sanitarista, exclusivamente à saúde pública. Confira a entrevista na íntegra.
Centro-Oeste Popular - Qual o seu papel como vereador e representante da população?

Vereador Lúdio Cabral - O Estado Democrático de Direito estabelece que deve haver independência e equilíbrio entre os poderes do Estado para que a democracia se materialize, e o papel do vereador nesse cenário é o de fiscalizar com rigor todos os atos do poder executivo e procurar na tarefa de representar a população produzir melhorias na legislação que assegurem ou ampliem direitos sociais.
 
Co Popular - O presidente da Câmara de Cuiabá, Júlio Pinheiro, o acusa de ter furtado documentos para ingressar com mandado de segurança no processo de revogação da Lei que garante o cumprimento de privatizar a Sanecap e quer a sua cassação. Qual a sua posição a respeito desta situação?

Lúdio Cabral – Essa acusação do presidente da Câmara é absolutamente descabida, ridícula e eu vou tratá-la no momento certo nos coros adequados, inclusive judiciais. A questão é que no mesmo dia em que sai uma decisão judicial para um mandato de segurança que eu impetrei contra a Câmara, que declara a suspensão de todos os atos da votação da lei que autorizou a privatização do saneamento, e que demonstra uma série de ilegalidades cometidas pela Câmera, no mesmo dia em que essa decisão saiu, a mesa diretora chama uma coletiva para ao invés de explicar sobre as ilegalidades que cometeu, parte para um ataque direto contra mim como autor daquela ação judicial, utilizando situações que de tão risíveis beiram ao ridículo. Mostrar uma gravação onde eu entro em uma sala, que é uma sala de um serviço de apoio ao legislativo, que eu tenho o dever e o direito de ter acesso, a qualquer momento em horário de expediente no exercício do meu trabalho. O regimento interno da Câmara estabelece claramente que eu posso examinar qualquer documento interno da casa a qualquer hora, e o que a Câmara deve é me fornecer às condições para fazer esse exame. Eu estava no cumprimento das minhas prerrogativas como vereador. O único documento que saio carregando da sala é uma copia reprográfica da lista de presença da sessão do dia 12, documento que eu inclusive anexo à ação judicial que eu protocolei na justiça. Ao examinar lá na secretaria de apoio ao legislativo, diante da responsável pelo setor, o processo com os documentos da votação da lei, eu identifiquei irregularidades e registrei em vídeo, dialogando inclusive com a própria responsável pelo setor, mostrando pra ela as irregularidades, e questionando as razões, para que eu pudesse ter prova, porque faltava, assinatura de vereadores em documentos que são essenciais na tramitação do projeto. E a única forma de preservar a incolumidade dessas provas que eu verifique, era naquele momento o registro em vídeo, e esse registro também foi anexado à ação judicial que eu protocolei como mais um dos documentos comprobatórios das ilegalidades que a Câmara cometeu. Portanto, absolutamente essas acusações, e qualquer tentativa de me intimidar ou caçar o meu mandato a partir daí.

Co Popular - Na sua opinião,  por que a privatização é um erro?

Lúdio Cabral – Ela é um erro porque ela traz prejuízos pra população. A nossa legislação nacional estabelece muito claramente que assim como a saúde, educação, saneamento é um bem público e um direito de cidadania, e não mercadoria para se comercializada. Cuiabá vai ter muitos prejuízos de optar por esse caminho. Primeiro, o modelo de concessão privada ele já é experimentado em Cuiabá em duas áreas importantes, que é o transporte coletivo e a coleta de lixo, e os dois serviços não funcionam, são absolutamente precários, a prefeitura não exerce controle nenhum sobre esses serviços, são muito falhos, os empresários lucram com isso e a população é sacrificada com serviços de péssima qualidade. Então, o exemplo do transporte coletivo e da coleta de lixo é o modelo que a prefeitura quer adotar no saneamento, como um agravante. O custo da execução do serviço de saneamento é cinqüenta, cem vezes maior do que o custo da execução do serviço de transporte coletivo, da coleta de lixo, portanto são mais dispendiosos. Não há hoje no setor privado disponibilidade para realizar os investimentos necessários no saneamento em Cuiabá, e mesmo que houvesse como o setor privado trabalha com a lógica do investimento e do lucro, alguém teria que pagar essa conta, e quem pagaria essa conta seria a população usuária do serviço com elevação na tarifa de água, e os cálculos que a gente faz é que no mínimo em três vezes seria aumentado o valor da fatura de água. Por outro lado, exatamente por força da legislação nacional, hoje existem recursos públicos disponíveis para investimento em saneamento. Cuiabá, tem hoje já na caixa econômica a disposição pra fazer investimento em saneamento mais de trezentos milhões de reais, que já podem ser utilizados e executados serviços de ampliação da rede de coleta de esgoto, de tratamento, distribuição de água, e a prefeitura se optar pelo caminho da concessão privada perde o acesso a esses recursos. Abrir mão de recursos que já estão a nossa disposição, para cair em uma aventura de conceder o serviço de saneamento para o setor privado sem garantia nenhuma de que a qualidade desses serviços melhorará e com risco de elevação grande da tarifa, é um erro sem precedentes.



CO Popular – A atitude foi uma manobra política?

Lúdio Cabral – Bom, a forma como asseguraram a aprovação disso na Câmara é uma demonstração de que não queriam fazer o debate público. O prefeito de Cuiabá foi irresponsável ao se licenciar, deixar o presidente Câmara no seu lugar e da forma orquestrada como aconteceu votar uma lei dessa natureza sem prévio e intenso debate aberto com a sociedade civil. Hoje 90% da população rechaçou severamente essa forma como o debate aconteceu, e 70% e contraria a concessão, ou a qualquer forma de privatização e defende o fortalecimento da Sanecap como empresa pública do município. A Sanecap é uma empresa viável do ponto de vista econômico e financeiro, o que precisa é ser submetida a uma gestão técnica comprometida com interesse público, com interesse de levar saneamento de qualidade pra população e não submetida ao jogo político de loteamento de cargos, com pessoas ocupando cargos de direção sem a qualificação técnica exigida. A única interpretação possível dos fatos que ocorreram ate agora, é de que, interesses econômicos e políticos estão acima do interesse público nessa questão.


Co Popular - Na sua avaliação, a alegação de que a empresa estaria no vermelho por conta da inadimplência do povo procede?

Lúdio Cabral – Ao contrario. A Sanecap arrecadou com fatura em 2010, quase 90 milhões de reais, e a população da cidade paga suas contas de água, às vezes ate sem receber o serviço com a qualidade que deveria estar recebendo. Então o prefeito querer culpar a população pela situação da Sanecap é mais uma distorção sem sentido. O que acontece hoje, é de que forma a direção da Sanecap que é nomeada pelo prefeito faz a gestão dos recursos que ela arrecada. Ano passado a Sanecap gastou quatro vezes mais com publicidade, propaganda, do que com a manutenção da rede de distribuição de água, gastou dez vezes mais com segurança, vigilância, gastou quinze vezes mais com locação de frota de veículos, então atividades não priorizadas em detrimento de atividades meio. Eu apresentei um requerimento de CPI exatamente para investigarmos e apurarmos qual foi o destino dado aos recursos que a Sanecap arrecadou de conta de água e esgoto da população de janeiro de 2010 até junho de 2011, pra nós sabermos como é feita a gestão desses recursos pela direção que é nomeada pelo prefeito. A população, especialmente dos bairros mais humildes demonstram claramente o compromisso com o pagamento de suas contas, e a revelação desses dados sobre as despesas que a Sanecap realiza vai nos mostrar a verdade sobre a viabilidade da empresa.

Eu consegui infelizmente duas assinaturas, mais uma das assinaturas foi tirada durante a sessão, até agora tem a minha e a do vereador Domingo Sávio. Eu vou continuar insistindo inclusive com a própria bancada do prefeito pra que ela assine o requerimento, porque já que eles dizem que a Sanecap é inviável, vamos analisar. Os estudos que os técnicos da Sanecap já realizaram demonstram que se ela for submetida a uma gestão técnica de qualidade, a própria arrecadação poderia ser duplicada de oito milhões para quase dezesseis milhões sem aumentar um real na tarifa de água do cuiabano, desde que houvesse uma gestão técnica comprometida com o interesse público, mas infelizmente parece que não é esse o interesse do prefeito.
 

CO Popular - Mudando de assunto. Praticamente está certo a escolha do modal BRT como transporte da Copa. O que o Sr.  acha dessa escolha?

Lúdio Cabral – Eu faço uma reflexão a cerca de toda temática da copa de que há uma certa embriagueis dos nossos governantes em relação a Copa do Mundo, porque o sistema de transporte coletivo hoje em Cuiabá ele já é de péssima qualidade e o controle público exercido sobre ele é muito precário, então qualquer modalidade que seja adotada, seja BRT, VLT, se você não modificar a forma como acontece a gestão os serviços vão continuar sendo ruins, então talvez o que devesse ser feito era uma melhor gestão do sistema, mesmo como ele está hoje pra assegurar qualidade, ai o novo sistema que vier se somar e dando mais qualidade, e não gerando mais problemas. Então, independente da escolha de qual modal, porque o debate é esse, na minha avaliação o debate correto seria como esse sistema é gerido hoje para oferecer serviços tão ruins como ele oferece hoje. E há alternativas muito simples pra você melhorar o transito que se quer são debatidas. Em determinados locais onde há engarrafamentos permanentes que com placa de sinalização de vias alternativas, esses problemas seriam minimizados, e uma placa de sinalização não custa nada diante do volume megalomaníaco de investimentos que citam em relação à Copa, e algumas áreas são esquecidas, a área da saúde é esquecida, saneamento é relegado em terceiro plano , e a população mais humilde é que precisa ganhar com a Copa e não alguns que já ganham muito ganharem mais.
 
CO Popular - O Sr. Acredita que há solução para a corrupção no Poder Público?

Lúdio Cabral – Os instrumentos de controle institucionais precisam ser aprimorados, mas mais do que isso é preciso se ampliar à consciência critica da população, porque todos os políticos que ocupam mandato público são eleitos pela população. Quanto melhor for a escolha que a população fizer nas eleições melhor será a qualidade da representação que ela terá. Então mesmo melhorando os instrumentos institucionais de controle é preciso haver uma maior participação da população na tomada de decisões.
 
Co Popular - O que falta para o Brasil dar certo? E Cuiabá?

Vereador Lúdio Cabral – Falta dar voz e vez a população, a cidadania, participação das pessoas. As soluções são encontradas de forma mais simples, mais criativa e com os recursos disponíveis. Se você tem mecanismos pra população participar da tomada de decisões, a chance das políticas públicas acertarem é maior.
Co Popular - Como o senhor vê a juventude de hoje, eles estão tendo ideologia?

Vereador Lúdio Cabral – Embora haja na sociedade uma disputa entre consumismo, individualismo x participação e solidariedade, a juventude ela tem dado demonstração de que ela quer uma realidade melhor. Nós temos visto em Cuiabá, em vários momentos mobilizações muito fortes da juventude para lutar por direitos. Um exemplo é a luta pela manutenção do passe livre, e um exemplo recente são as mobilizações em defesa das nossas florestas que estão sendo colocadas em risco por conta da aprovação do novo código florestal. Já aconteceram varias manifestações de rua, da juventude em defesa das florestas, inclusive utilizando recursos que na tradição da política não se utilizam, que são as redes sociais.
 
Co Popular - Qual a sua perspectiva política?

Vereador Lúdio Cabral – Eu concluo meu segundo mandato de vereador, desde a primeira eleição isso já estava muito claro pra mim, que eu exerceria o primeiro mandato, me proporia a exercer um segundo e após o segundo mandato eu não disputaria mais eleição para vereador. Então, em 2012 eu não sou mais candidato a vereador porque entendo ser necessário o processo de renovação da representação política da população nos parlamentos. Se houvesse uma renovação maior, talvez a qualidade da representação fosse melhor, então eu me proponho a exercer dois mandatos e transferir essa responsabilidade para outros companheiros de luta e valores que nós temos no nosso coletivo. Já me apresentei a direção do meu partido no início desse ano formalmente dizendo que estou pronto para ser o candidato do PT a prefeito de Cuiabá. Agora é um debate que o partido devera fazer no momento certo, nos formes adequados pra que essa decisão seja coletiva. O que eu considero importante e necessário é que o PT retome o protagonismo nas disputas eleitorais em Cuiabá, e uma forma de fazer isso é tendo uma candidatura á prefeito em 2012, tendo uma chapa de qualidade de vereadores para nós ampliarmos a nossa bancada aqui na Câmara, e hoje mais do que nunca eu sinto falta de ter mais vereadores fazendo a mesma luta que eu faço aqui. Às vezes a gente precisa buscar força na população, na sociedade civil pra enfrentar as adversidades que a gente encontra dentro do parlamento. Mas na população a gente encontra forças para encarar os obstáculos que a gente encontra nas estruturas institucionais, especialmente aqui na Câmera. Nós periodicamente temos que recorrer a lei de iniciativa popular, a mobilizações de rua pra poder pressionar tanto a Câmera quanto a prefeitura para atender os direitos que a população tem.


Grazielle Milas 

http://www.copopular.com.br/noticia.php?codigo=16225

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